SISTEMAS DE TRANSPOSIÇÃO DE PEIXES - II

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jckruel
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SISTEMAS DE TRANSPOSIÇÃO DE PEIXES - II

Mensagem por jckruel » Sáb Jun 28, 2008 11:30 am

SISTEMAS DE TRANSPOSIÇÃO X ESTAÇÕES DE PISCICULTURA


Machado e Alzuguir, 1976, apoiados em legislações nacionais favoráveis, defenderam a exclusividade das estações de piscicultura para repovoamento dos peixes em detrimento dos STP´s (Quirós, 1988, confirmando pressupostos nacionais que durante décadas sustentaram a ausência de estruturas para a Transposição de Peixes, até a presente data:

Entre eles:

I.) os peixes brasileiros reofílicos vivem, migram e desovam nos rios e assim, não precisam de sistemas para a transposição, enquanto que os do hemisfério norte, anádromos, que vivem nos mares e desovam nas cabeceiras dos rios, necessitam (Mendes, 1969, Machado, 1976.


II.) a teoria de que os deslocamentos dos cardumes rio acima, no verão, estão condicionados à desova é discutível (Mendes, 1969;


“Estudos desenvolvidos a partir da década de trinta, envolvendo a biologia das nossas espécies fluviais, realizados por Rodolpho Von Ihering, Pedro Azevedo, Armando Boggi, Alcibiades Marques, Alcides Lourenço Gomes, Otto Schubart, Cirilo Eduardo de Mafra Machado, Haroldo Travassos, Manuel Pereira de Godoy e outros, vieram demonstrar que:

a) as espécies migradoras sobem os rios por ocasião das enchentes;

b) essas espécies desovam em plena correnteza;

c) durante a migração para desova não se alimentam;

d) o aparecimento de larvas e alevinos nos alagadiços marginais decorre, principalmente, da maior riqueza planctônica dessas águas paradas;

e) o bom aproveitamento das desovas decorre, dentre outros fatores, de grandes e prolongadas cheias, acompanhadas da elevação da temperatura da água;

f) sua reprodução natural não implica, necessariamente, que as cabeceiras dos rios sejam alcançadas pelos reprodutores;

g) “o empobrecimento dos nossos rios não decorre exclusivamente da interrupção da subida dos peixes, podendo-se acrescentar outras causas tão ou mais importantes como, por exemplo, a poluição das águas, o desmatamento ciliar, a inutilização dos alagadiços marginais, pesca predatória e o aumento do esforço da pesca” (Alzuguir, 1994, Ref. [31]).

h) A própria inexistência de STP’s é um fator importante para o empobrecimento generalizado do ambiente aquático fluvial como um todo.




III.) Os peixes brasileiros migradores, reofílicos, não possuem capacidade físicobiológica para vencerem alturas superiores a 8m, implicando que apenas os pequenos barramentos devem possuir STP´s (Mendes, 1969, Machado, 1976, Tornoli, 1984.

Este pressuposto retrata o desconhecimento do que ocorre no mundo sobre o assunto. As pesquisas realizadas com modelos de escada com degraus, revelaram que os peixes anádromos não apresentaram evidências de fadiga para vencer rampas com declividades do fundo de 1V:8H (12,5%) e 1V:16H
Os lactatos e o fosfato inorgânico do sangue e músculos mostraram um moderado aumento durante a ascensão e voltaram aos níveis de controle em 1 hora.

Houve um Salmão, “Blueback”, que ascendeu durante 5 dias consecutivos e continuamente, através de 6.600 degraus, com declividade 1V:8H (12,5%), correspondendo à altura de cerca de 1600m (Collins, 1960).

As UHE Piraju (1971) e Salto Moraes (1972), rios Paranapanema e Tijuco, no Estado de São Paulo, possuem STP’s operando com sucesso cujos desníveis são 15 e 10m e as experiências realizadas na UHE Itaipu, num canal com as características: dimensões de 1,8 x 1,0m, desnível de 27,3m, comprimento total de 300m (canal de 155m), velocidade do fluxo de 2,0m/s, degraus com soleira superficial e orifícios, desmistificaram as afirmações contraditórias sobre a capacidade da ictiofauna nacional migradora em vencer alturas superiores a 8m.



IV.) os STP´s são onerosos e anti-biológicos, viabilizando as estações de piscicultura (Machado, 1968).

O argumento de que são caras as instalação de STP’s é inconsistente, ou seja: o projeto do STP deve estar incorporado já na fase de estudo de viabilidade do empreendimento e não ignorá-lo para otimizar o custo total. Há um longo caminho educativo institucional para o aproveitamento racional de nossa ictiofauna, para alimentação, sustento e lazer, sem ferir a pirâmide ecológica (Pereira, 1986, Ref. [40]).


V.) para os reservatórios altamente modificados e estabilizados, a melhor alternativa conservacionista é a Estação de Piscicultura (Machado, 1976, e 1968, Mendes, 1969, Tornoli, 1984,


VI.) as estações de piscicultura podem abastecer a natureza e a atividade pesqueira comercial e esportiva independente dos STP´s (Charlier, 1957, ap. Paiva, 1983, Mendes, 1969,


As estações de piscicultura não resolvem os problemas dos peixes e da ictiofauna autóctone. Somente a Natureza têm condição de resolvê-los," conforme deixou bem claro o Dr. Georges Sprague Myers, da Stanford University, Estados Unidos, quando ministrou um curso no Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 1943...

As estações de piscicultura não são eficientes e não garantem a recuperação ecológica. As estações de piscicultura não substituem os Sistemas para a Transposição de Peixes.

Se um único casal de Curimbatás (Brachyplathystoma filamentosum) ultrapassar uma passagem de peixes e desovar a montante da passagem, com um milhão de óvulos/fêmea, poderemos ter a continuidade de peixes reofílicos e migradores; mas, por uma passagem passam milhares de peixes, aumentando – e muito e geometricamente – a população de peixes em um rio, considerando só este fator: a passagem. Uma Estação de Piscicultura, quando consegue trabalhar com até 4 milhões de ovos de peixes/ano é muito e, com conseqüências, não previsíveis” (Godoy, 1998).

O Dr. Carlos Eduardo C. Tornoli, 1994, Ref. [48], outrora um dos defensores da exclusividade das estações de piscicultura, afirma: “Embora a CESP tenha optado pela utilização de estações de Hidrobiologia e Piscicultura, seguindo a orientação existente e disponível na época de suas construções Sistemas para a Transposição de Peixes (hidrelétricas), houve, ao longo do tempo, acentuada evolução nesse campo, passando a empresa a adotar outros processos de conservação da ictiofauna, incluindo as escadas de peixes e os elevadores, complementares àquelas e não conflitantes”.


Apesar das técnicas de indução e desova serem hoje melhores conhecidas para muitas espécies nativas, critica-se o repovoamento pelo fato de terem sido lançados milhões de alevinos em reservatórios brasileiros, sem contribuir para o aumento da produção pesqueira dos mesmos” (Themag, 1998, Ref’s. [44 e 45]).



VII.) a ictiofauna de nossos rios é qualitativamente eclética, mas pobre de espécies de valor econômico (Mendes, 1969, Ref. [34]);

Os peixes migradores, de piracema, são extremamente importantes. Só o Curimbatá (Prochilodus scrofa), que na América do Sul soma cerca de 30 espécies, ocupa cerca de 50% dos estoques pesqueiros de muitos rios sulamericanos.
No rio De La Plata, os cardumes dos Sábalos (Prochilodus platensis), podem conter 200 milhões de indivíduos. O famoso Dourado (Salminus maxillosus), importante peixe na pesca comum e esportiva e patrimônio natural da bacia Platina, com pesos que alcançam 30kg e comprimentos até maiores que 1,0m. E o Pintado (Pseudoplatystoma coruscans), com cerca de 1,5 a 2,0m de comprimento, tão importante na pesca e na culinária... E o Jaú (Paulicea luetkeni) com 2,0m de comprimento...


E o Piraíba amazônico (Brachyplatystoma filamentosum) com 3,0m de comprimento... E o Piramutaba (Brachysplatystoma vaillanti), grande peixe de couro, migrador, da bacia amazônica, que só em Belém, PA, permite a manutenção de 6 indústrias de seus filés... O Lambari (Astyanax bimaculatus lacustris ou fasciatus) que chega a comer 200 larvas aquáticas/dia de mosquitos que causam a malária, a dengue, etc.” (Godoy, 1998) .



VIII.) para os nossos peixes reofílicos, obstáculos não são empecilhos à reprodução e à sobrevivência, (Mendes, 1969, Ref. [34], Tornoli, 1984,

Os principais rios brasileiros têm sido transformados em uma sucessão de reservatórios, provocando inundações de grandes áreas e alterações no regime hídrico e nas áreas de reprodução da fauna aquática, além de se transformarem em barreiras intransponíveis para os peixes” (Ávila Vlo, 1994.

“O barramento dos rios é reconhecido como uma das principais causas da diminuição dos peixes em diversas partes do mundo”. (Bernacsek 1984, Pavlov 1989, Petts 1989, Swales 1989, Welcomme 1989, Woynarovich 1991, Godinho 1993, Godinho & Godinho 1994, Swales 1994)” (ap. Martinez et alii, 2000).


IX.) os peixes reofílicos passam por um processo de adaptação aos ambientes lênticos ou semi-correntosos, o que descaracteriza a necessidade dos STP´s (Paiva, 1983, Ref. [38], Mendes, 1969, Ref. [34], Tornoli, 1984, Ref. [47]);

“Quando os peixes ultrapassam uma passagem de peixes e atingem o reservatório, os peixes migradores encontram locais de desova, acima do remanso do reservatório, no rio caudal, se for o caso (no caso de rio com reservatórios em sequência, a situação se altera, negativamente). Muito
Sistemas para a Transposição de Peixes importantes são os afluentes que vêm ter ao reservatório e, pelos quais, as migrações continuam e propiciam locais de desovas”
(Godoy, 1998)



X.) os projetos, principalmente os com ensecadeiras e espigões provisórios em de rodovias, pontes, viadutos e travessias, desvios e corta-fluxo em cursos d´água, não precisam dos STP´s; Nos Estados Unidos, por exemplo, os empreendimentos, temporários ou definitivos, que envolvam o meio fluido e a sobrevivência dos peixes, são normalizados. (Departament of Fish and Wildlife, 1999)


XI.) os peixes utilizam os vertedores, eclusa para navegação (Paiva, 1983, Ref. [38]) e a casa de força das usinas para migrarem (Pavlov, 1989, Ref. [39]); [/b]

"Os vertedores com médias e altas quedas, isto é, nos escoamentos de grandes velocidades e pressões, atraem os peixes durante a migração reprodutiva, mas devido a superconcentração gasosa, geram altos índice de mortalidade por embolia, lesões, aumento da predação e choque devido à quantidade de movimento envolvida" (Ford, 1998, Themag, 1998).

Williams, 1995, afirma que a mortalidade dos peixes que tentam utilizar o vertedor para transposição pode chegar a 5%. Sabe-se que nos vertedores para quedas superiores a 10m, onde as velocidades do fluxo podem atingir valores superiores à 10m/s, principalmente nos sem bacias de dissipação eficientes, os peixes são atraídos pela turbulência, com taxas de mortalidade altas, devido à quantidade de movimento do fluxo e/ou embolia por excesso gasoso.


As Eclusas para transposição de embarcações não oferecem condições atrativas para a migração reprodutiva e trófica, uma vez que as correntes de fluxo são indesejáveis no aporte de embarcações às câmaras e operam segundo a conveniência da navegação e não a do peixe migrador.

A transposição reprodutiva de peixes através das turbinas causa altos índices de mortalidade, segundo Williams, 1995, considerando-se uma turbina tipo Kaplan e peixes anádromos americanos (Trutas e Salmões), a mortandade pode chegar a 10%. Traduzindo ao panorama nacional, onde há variedade de turbinas e diversidade da ictiofauna, a mortalidade pode atingir valores significativamente maiores.



VIII.) os STP´s destinam-se apenas à migração reprodutiva e aos peixes de piracema;

“Normalmente os sistemas de transposição de peixes destinam-se aos peixes migradores, reofílicos e que dependem de um ecossistema para os processos das suas vidas, como a alimentação, crescimento, engorda e a reprodução. Eventualmente, peixes não migradores e que se reproduzem em locais de águas paradas, podem ser encontrados dentro de uma passagem; é o caso de encontro de Traíras (Hoplias malabaricus malabaricus), de Acarás (Geophagus brasiliensis), não migradores para reprodução, que podem ser encontrados, eventualmente, dentro da passagem” (Godoy, 1998.



IX.) o custo dos STP’s é excessivo.

O custo de uma Estação de Piscicultura é maior do que o custo de uma passagem de peixes. Ainda uma Estação de Piscicultura tem o custo permanente da sua manutenção... (Godoy, 1998. “Assim Sistemas para a Transposição de Peixes considerando-se os custos de hoje, uma escada de peixes, pode ser mais barata e econômica do que uma estação de piscicultura, cerca de 3,5 vezes menos” (Godoy, 1985)

"Como se pode depreender, parte destes pressupostos não possuem justificativa técnica aceitável, podendo-se até caracterizá-los como levianos, e outros, em quantidade significativamente menor, como discutíveis, precisando de confirmações científicas" (Quirós, 1988)

“Se fosse verdade o que os leigos brasileiros afirmam, países como a Noruega, os Estados Unidos, a Rússia, o Japão, etc., não se preocupariam em construir a passagem de peixes até hoje. Não é por boniteza, por diletantismo, por brincadeira, que tais países constróem passagens de peixes em seus barramentos, mas por razões técnicas e científicas e em respeito ao ambiente e à vida” (Godoy, 1998).

“Duas são as formas pelas quais o descrédito poderá acontecer. A primeira é a construção de mecanismos em barragens onde eles não seriam necessários e a segunda, a construção de mecanismos ineficientes. Essa última é certamente a mais crítica e mais complexa do que a primeira pois, como mencionam Quirós (1988) e Clay (1994), o arcabouço teórico para implantação de mecanismos eficientes para as nossas condições ainda não foi desenvolvido. Por isso, são altos os riscos da implantação de mecanismos ineficientes” (Martinez, et alii, 2000

As argumentações citadas foram responsáveis, durante décadas, pela banalização e irrelevância dos STP´s no Brasil, muitas vezes na defesa do interesse econômico e/ou outros que não a sobrevivência dos peixes e a manutenção do sistema como um todo.

Alguns estados, entre eles São Paulo (Lei n0 9.798, 1997, Ref. [28]) e Minas Gerais (Lei n0 12.488, 1997, Ref. [27]), absorveram a preocupação mundial com a preservação dos peixes e homologaram legislações específicas obrigando a que os barramentos em cursos d’água possuam STP´s. Estas legislações precisam, devido à imaturidade relacionada ao assunto, serem aperfeiçoadas, tornando-as abrangentes e sem atenuantes jurídicos ou técnicos.

São raros os estudos nacionais acadêmicos ou técnicos que tratam do assunto com a objetividade, respaldo científico e respeito que façam jus à sua importância. O conhecimento, pelo caráter multidisciplinar, encontra-se fracionado ou monopolizado entre áreas distintas da ciência, ora pelos engenheiros que detêm o manuseio das concepções estruturais e hidráulicas, ora pelos biólogos, ambientalistas e ecólogos, especialistas no trato ictiológico e ambiental.

Este trabalho multidisciplinar não pretende ser inédito ou esgotar o tema.

Visa-se estancar as feridas cometidas ao ambiente, função da nossa hereditária ignorância cultural, que impediu a atuação e a evolução dos STP´s, resultando, funestamente, em perdas ictiológicas e ambientais imensuráveis, quando não irreparáveis.
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Mensagem por Silvio Araujo Neto » Ter Out 20, 2009 8:14 pm

Usarei estes estudos como base de uma argumentação que farei na semana que vem.

Valeu Jckruel !!!
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“É melhor merecer honrarias e não recebê-las do que recebê-las sem merecer”.
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